MT registra mais de 60 uniões civis envolvendo crianças e adolescentes, mesmo após proibição; entenda o cenário

Apesar da lei que veta o casamento de menores de 16 anos, Mato Grosso ainda apresenta 67 registros de união civil envolvendo crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos. Os dados constam no Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado no início de novembro. No estado, foram contabilizados 900 casamentos no total, e essas uniões representam 0,06% do montante nacional — que soma mais de 34 mil crianças e adolescentes vivendo em situação conjugal.

A legislação que impede oficialmente esse tipo de casamento é a Lei nº 13.811/2019, sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro. A norma eliminou qualquer exceção que anteriormente permitia o casamento infantil, inclusive em casos de gravidez.

Notários afirmam que não houve registros após a lei

A Associação dos Notários e Registradores de Mato Grosso (Anoreg-MT) informou que não há registros de casamentos civis envolvendo crianças de 10 a 14 anos após a vigência da lei. Segundo a entidade, os dados apontados pelo IBGE são referentes a uniões formalizadas antes da proibição definitiva.

A representante da Diretoria de Pesquisa do IBGE, Luciene Aparecida Ferreira de Barros, explicou ao g1 que o Censo não solicita documentos e registra apenas a informação declarada pelos moradores. Por isso, casos irregulares aparecem nos números, mesmo sem validade jurídica.

“Nosso papel é retratar a realidade que encontramos. Não há fiscalização, e sim registro das declarações feitas pelas famílias”, afirmou a pesquisadora.

Luciene destacou ainda que boa parte das uniões informadas nessa faixa etária ocorre entre adolescentes de 14 anos.

Como funciona a legislação hoje

A tabeliã Larissa Aguida Vilela Pereira de Arruda, do Cartório Coxipó do Ouro, em Cuiabá, reforçou que:

  • A idade mínima para casamento é 16 anos, somente com autorização judicial.

  • Antes disso, a união não tem amparo legal.

  • Casamentos usados para tentar evitar responsabilização criminal por estupro de vulnerável não são mais permitidos.

Ela explicou que, para emissão da certidão, é obrigatória a apresentação da certidão de nascimento atualizada dos noivos, o que impede que menores nessa faixa etária passem despercebidos no processo.

Impactos sociais e violações de direitos

A assistente social Bruna Andrade Irineu, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), ressaltou que essas uniões não representam relações amorosas consensuais, mas situações de violência e vulnerabilidade.

“Não estamos falando de casamento. É uma relação marcada por violações, que coloca em risco a integridade física e emocional da criança, especialmente das meninas”, explicou.

Bruna destacou que fatores como pobreza, abuso e falta de proteção social impulsionam essas uniões. Os efeitos são graves:

  • Abandono escolar

  • Comprometimento da saúde mental e física

  • Interrupção do desenvolvimento emocional

  • Perda da infância e da autonomia

Ela reforçou que cabe ao poder público atuar para interromper essas situações, já que se tratam de práticas ilegais que violam os direitos das crianças e adolescentes.

“Crianças precisam brincar, estudar e construir sua cidadania passo a passo. Assumir um papel conjugal as afasta de tudo isso”, concluiu.

Você pode compartilhar esta noticia!

author

Redação GNMT